14/01/2019 | Autora: Mariane Crespolini - Mestre e doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, pesquisadora e pecuarista
Você sabia que o Brasil é o maior exportador de carne bovina? E, mais do que isso, alcançamos o primeiro lugar, exportando apenas 20% do total produzido. Para 2019, de acordo com o USDA (United States Department of Agriculture - Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), a perspectiva é que o Brasil aumente em 5% o volume exportado. Com a estabilidade das exportações totais do mundo, crescimento de apenas 0,2%, isso fará com que o Brasil aumente sua relevância no comércio global.
Ainda de acordo com o USDA, em 2018, do volume total exportado, entre carne bovina e bubalina, a participação do Brasil foi de 19,9%. Para 2019, espera-se que o market share brasileiro suba para 20,8%. Este aumento de quase 1% pode parecer pouco, mas devemos lembrar que é para o período de apenas um ano, sendo assim relevante. A produção global deverá registrar uma ligeira alta, 1%, chegando a 63,6 milhões de toneladas. Este crescimento deve ser impulsionado pelo Brasil, Estados Unidos e Argentina.
No caso brasileiro, o crescimento da produção é estimado em 3%. Além do aumento da produção, a estabilidade do consumo interno deve estimular as exportações. Infelizmente, o consumidor brasileiro ainda sente os efeitos da forte recessão econômica que ocorreu até 2016. É fato que, apenas recentemente, os indicadores de emprego começaram a melhorar. Os pecuaristas devem ficar de olho na economia brasileira, pois de cada cinco bifes produzido, quatro ficam no Brasil. O brasileiro é o foco principal.
Mas, voltando ao comércio global, além do Brasil, o USDA espera que a produção aumente em outros dois importantes produtores. O primeiro deles são os Estados Unidos. Atualmente, o país americano é o maior produtor de carne bovina do mundo, 19,5% do total, e quarto maior exportador (13,6%). A perspectiva para 2019 é de um aumento de 4% na produção americana e de 3% nas exportações.
Algo que a nossa pecuária deve ter como aprendizado, e talvez até como meta futura, é a produtividade do país do “Tio Sam”. Expressividade em rebanho, não significa produção de carne. Os Estados Unidos possuem um rebanho 94,4 milhões de cabeças, o equivalente a 40,6% do brasileiro. E, mesmo assim, produz 24% a mais de carne. Isto não significa que devemos copiar o modelo americano, em que praticamente 100% da terminação é realizada em confinamento. Porém, temos muitas vantagens competitivas, inclusive em custo de produção. Se investirmos em tecnologias para manejo de pastagem e nutrição, a produção brasileira pode “voar” ainda mais.
O segundo país a ser destaque no aumento da produção será a Argentina, com alta estimada em 1%, mas com as exportações crescendo expressivos 15%, em função das condições macroeconômicas do país e também impulsionadas pela demanda chinesa. Atualmente, nosso vizinho é o sexto maior produtor, registrando a mesma posição no ranking das exportações.
Já para a Austrália, a situação não será tão favorável. Deve haver uma redução de 5% na produção e de 7% nas exportações. O país não registra grandes perspectivas de melhora no volume de chuvas. Como a seca persiste já há alguns anos, as condições das pastagens seguem ruins. Por isto, para manter a capacidade suporte, em 2018 houve a necessidade de abater mais animais, com o aumento do abate de fêmeas e também com a elevação do número de animais confinados. Para 2019, o foco será a reconstrução do rebanho.
Falando em Austrália, gostaria de ressaltar mais um motivo da pecuária brasileira ser orgulho nacional. A Austrália é o terceiro maior exportador de carne bovina do mundo, mas possui um rebanho menor do que o do estado de Mato Grosso. Ela só alcança este posto pois, em 2018, exportou 69,5% da produção. Tal como na reflexão dos Estados Unidos, imagina o quanto o Brasil poderá crescer futuramente?
Outro exemplo do potencial brasileiro, é o caso do Uruguai. Nosso vizinho é o oitavo maior exportador do mundo, mas em volume exporta apenas 21% do volume brasileiro. Estive no Uruguai em 2016 e algo que me impressionou é que apesar da moeda ser o peso, os pecuaristas falam da pecuária apenas em dólar, tanto nas receitas quanto nos custos de produção. Isto ocorre pois mais de 90% da produção tem como destinado o mercado internacional. Cenário muito diferente do brasileiro. Lembrando que o rebanho uruguaio é menor do que o do estado do Rio Grande do Sul. Para 2019, também se espera que as exportações reduzam em quase 6%.
Por fim, a Índia, segundo maior exportador, tem concorrido especialmente em mercado periféricos, que competem em preço pela carne de búfalo. Para 2019, espera-se inclusive uma redução das exportações, em 2%.
O driver das compras será a China e Hong Kong, onde a demanda deve aumentar em quase 10%. Juntos, estes países representam 21% das compras globais, lembrando que Hong Kong funciona muito como um entreposto comercial para o país chinês. Estive na China em 2015, justamente estudando a demanda deste país. É impressionante, estamos falando em 1,4 bilhões de pessoas, quase 20% da população mundial.
Mesmo que o consumo destas pessoas seja muito pequeno, 4,07 kg de carne per capita por ano, de acordo com a Organisation for Economic Co-operation and Development (OCDE), qualquer aumento de “um bife a mais por ano” causa uma demanda mundial muito expressiva. De acordo com o NBS, ainda existe na China 43 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza. O fato é que de 2010 a 2017, a renda per capita bruta praticamente dobrou, de acordo com o Banco Mundial. Ainda que a população extremamente pobre tenha reduzido e esta seja uma das metas do governo até 2020, a renda média tem aumentado rapidamente.
Esta classe média chinesa ainda consome muito do que não “queremos mais comer”. Quando estive lá, ouvi de uma chinesa que nós brasileiros não comíamos os órgãos porque não sabíamos o que era fome. Carne por aqui era abundante. O que não ocorria por lá. Isso é verdade. Um dos itens mais consumidos pelos chineses é o pé de frango presente praticamente todos os cardápios dos restaurantes chineses.
Assim, este aumento da demanda vem do aumento geral do consumo per capita. Futuramente, também poderemos colher os frutos do término da lei do filho único, implantada em meados da década de 70. Cada chinês só podia ter um filho, mas, por diversos motivos, incluindo o envelhecimento da população isto terminou em 2015. Por estes e por outros motivos, costumo dizer nas minhas palestras que todo economista e todo pecuarista deve visitar a China para entender o potencial do seu negócio.
Para o Brasil, também há a perspectiva de aumento da exportação de gado em pé. O USDA espera que o Brasil exporte 900 mil animais vivos, quase 6% a mais do que o registrado em 2018. Como em 2018, espera-se que estes animais serão destinados especialmente para a Turquia e Egito. O volume brasileiro, em 2019, será o equivalente a 17% do total de animais movimentados no mundo. Nesta categoria, o comércio mundial deve retrair em 4,4%.
Impacto em preço – Caro pecuarista, como produtora, eu ficaria muito feliz que este cenário internacional melhorasse os preços da minha principal fonte de receitas. Porém, temos que ter os pés no chão. Como mencionei, a nossa realidade atual é que o brasileiro é o maior consumidor do nosso produto. Por isto, por mais que as exportações aumentem, isto não implica em impactos muitos expressivos no preço arroba. No entanto, minimamente contribui, para promover sustentação aos preços. Sigo orgulhosa e animada para que, no médio e longo prazo, o Brasil firme e aumente a sua relevância internacional, como deve acontecer em 2019.
**Colaborou para este texto Jaison Barreto, acadêmico em medicina veterinária (UFMT).
*O último trimestre de 2018 tem resultados estimados pelo USDA. Pois até o fechamento desta análise, os dados ainda não estavam disponíveis.
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